São Vicente em Reforma (Tributária)
Capítulo VI – ITCMD (parte 2)
.
Nem só de tributos sobre o consumo se faz uma Reforma Tributária. O ITCMD poderá aumentar ou diminuir. Saiba abaixo qual será seu caso;
.
.
Esta é a sexta semana em que estamos tratando de aspectos gerais da Reforma Tributária, elencando para a comunidade de empresários, contadores e tributaristas as principais mudanças que a EC (Emenda à Constituição) 132/2024 trouxe e todas as novas produções legislativas que efetivamente modificarão nosso sistema tributário brasileiro. E hoje vamos tratar (novamente) sobre o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, conhecido como ITCMD.
No capítulo IV da nossa série São Vicente em Reforma (Tributária) nós também falamos en passant sobre este imposto quando tratamos da distribuição de dividendos para os sócios das empresas de forma desproporcional às suas participações sociais. Se o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024 passar pelo Senado Federal da maneira que se encontra, este tipo de operação será considerada como doação, incidindo o ITCMD.
Porém, é importante que também tratemos deste imposto de forma isolada, pois a EC 132/2024, o texto que alterou a Constituição para introduzir a Reforma Tributária, a qual, como estamos frisando, trata principalmente dos tributos sobre o consumo, também fez questão de tratar do imposto sobre herança e doações.
O ITCMD é um imposto de competência estadual. Portanto, todos os Estados e o Distrito Federal possuem legitimidade para exigir o imposto quando ocorre a morte de alguém ou quando alguém deseja doar algum bem para outra pessoa. Assim os Estados agiam com certa “liberdade”, pois poderiam determinar qual a alíquota se aplicaria a determinados casos (desde que respeitasse o limite máximo de 8%), podendo fazer isto de forma única – ou seja, para qualquer hipótese de causa mortis ou doação a alíquota seria mesma –, ou de forma mais “maleável” – dispondo de alíquotas diferenciadas a depender de cada caso.
Por exemplo: no estado de São Paulo, a alíquota de ITCMD é de 4%, independente do valor a ser transmitido ou se o imposto recairá sobre a herança ou sobre uma doação; já no estado de Alagoas, as alíquotas de ITCMD são de 4% nas transmissões causa mortis e de 2% nas doações; por outro lado, no Rio de Janeiro, as alíquotas de ITCMD para causa mortis e doações são as mesmas, mas são progressivas, o que significa dizer que, a depender dos valores a serem transmitidos, terão alíquotas diferenciadas, que vão de 4% (transmissões de menores valores) até 8% (transmissões com maiores valores).
Com a Reforma Tributária, a Constituição Federal, a lei maior do Brasil e que também trata do ITCMD, passou a ter uma nova disposição a respeito deste imposto, a qual tem os seguintes dizeres: “[o ITCMD] será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação”. Portanto, todos os estados do Brasil terão que se adequar ao modelo utilizado pelo estado do Rio de Janeiro (exceto aqueles que já utilizam este modelo), onde o valor recebido por herança ou doação terá sua alíquota aplicável a depender da faixa em que se encontrarem o bem transmitido, conforme legislação de cada estado.
Tendo em vista esta necessidade de adequação, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo apresentou no começo deste ano o Projeto de Lei (PL) nº 7, o qual trata justamente da progressividade das alíquotas do ITCMD dentro do território paulista, saindo de uma alíquota única de 4% para uma progressividade que vai de 2% até 8%.
Logo, se o PL nº 7/2024 for aprovado da maneira que se encontra, os contribuintes podem se encontrar em uma drástica mudança no valor de recolhimento do imposto. Neste sentido, uma pessoa que recebeu no ano de 2024 uma herança no valor de R$ 3.000.000,00, foi tributada pelo ITCMD no valor de R$ 120.000,00. Com a nova lei promulgada, esta mesma herança poderia sofrer uma incidência de ITCMD no valor de R$ 180.000,00. Ou seja, um acréscimo de R$ 60.000,00 em relação à lei “antiga” e a possível nova lei.
Além da progressividade das alíquotas do ITCMD, a EC 132/2023 também veio preencher certas lacunas que este imposto possuía no nosso sistema tributário nacional. Existe uma certa guerra fiscal entre os estados do Brasil em razão do fato de que a maneira que as transmissões causa mortis e doações podem acontecer são sobremodo variadas: alguém que mora em São Paulo pode receber um bem de alguém que mora no Ceará; uma pessoa que mora em Pernambuco pode herdar um imóvel que se encontra no Paraná; outra pessoa pode receber uma doação de um bem cujo doador mora na Finlândia, entre outras tantas hipóteses. Nestes tipos de situações sempre surge uma dúvida: sob a legislação de qual estado eu devo me submeter?
Como critério principal, deve-se observar se o autor da herança ou doador era/é residente no Brasil ou no exterior. Caso esta pessoa resida fora do Brasil, a Constituição prevê que, nestes casos, uma Lei Complementar deveria regular a exigência do tributo, e não algum estado específico. Ocorre que esta Lei Complementar não existe! Sim, caro leitor, parece brincadeira, mas todo nosso corpo de legislação babélico brasileiro não possui esta bendita Lei Complementar, o que foi extremamente benéfico para os contribuintes por muitos anos, isto porque, se não há lei que institua o tributo, não há tributação.
Portanto, quem recebeu nos últimos anos um bem por doação ou por causa mortis de alguém residente no exterior não poderia ser tributado por nenhum estado brasileiro em razão da ausência da referida Lei Complementar. Inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal já definiu este assunto quando julgou o Tema 825 de Repercussão Geral dispondo que é “vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, §1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
Porém, como tudo que é bom dura pouco, a própria EC 132/2023, a qual manteve a necessidade de Lei Complementar para o ITCMD sobre transmissões de origem estrangeira, também dispôs de novas regras temporárias até a promulgação desta Lei Complementar (que ainda não existe) para estes casos. Segundo a norma, as doações e as heranças de bens imóveis serão tributadas pelo estado em que se encontra o bem. No caso de doador domiciliado ou que reside no exterior, o bem será tributado pelo estado em que tiver domicílio o donatário (quem recebe a herança) ou, na hipótese do donatário também residir no exterior, no estado em que se encontra o bem. Por fim, se o de cujus (quem faleceu) deixar bens, ainda que no exterior, o ITCMD será cobrado pelo Estado em que era domiciliado o de cujus, ou, se ele era domiciliado ou residente no exterior, será o estado em que tiver domicílio o sucessor.
Com as explanações acima, vamos pensar nas seguintes hipóteses:
.
Hipótese 1: Uma pessoa residente no estado do Rio Grande do Sul doa um imóvel localizado no estado de Santa Catarina para uma pessoa residente no estado do Rio de Janeiro. Neste caso o ITCMD seria exigido pelo estado de Santa Catarina.
.
Hipótese 2: Uma mãe que mora no Chile doa para seu filho que também mora no Chile um imóvel localizado em São Paulo. Nesta hipótese, o estado de São Paulo será o ente que poderá exigir o ITCMD sobre esta operação.
.
Hipótese 3: Uma pessoa que mora na Alemanha doa um bem móvel que está em sua casa em Berlim para sua irmã, que mora em Portugal. Neste caso não há incidência de ITCMD.
.
Hipótese 4: Uma pessoa que mora nos Estados Unidos doa para seu amigo que também mora nos Estados Unidos um bem móvel que está armazenado em um depósito no interior de Pernambuco. Nesta situação, haverá incidência de ITCMD e o estado competente para exigi-lo é o estado de Pernambuco.
.
Hipótese 5: Um homem que morava na França falece e deixa de herança para seu filho que mora no Distrito Federal um veículo guardado em uma garagem em São Paulo. Neste caso, será o Distrito Federal o ente federativo competente para exigir o ITCMD.
.
Portanto, conseguimos vislumbrar pelo tanto quanto exposto nesta matéria as drásticas mudanças que a Reforma Tributária trouxe para o ITCMD, as quais vão desde uma mudança na sistemática em que eram aplicadas as alíquotas até à disciplina de qual ente federativo poderá exigir o imposto.
Além de tudo isto, a alíquota máxima de 8% que os estados tem de se submeter poderá ser modificada. Já existe no Senado Federal um projeto para aumentar este “teto” de 8% para 16%. Como o Senado necessariamente terá de lidar com a matéria nos próximos meses, há grandes chances da alíquota máxima ser pauta das discussões e ser realmente aumentada.
Ainda é necessário que as leis complementares federais sejam promulgadas e as diversas leis estaduais sejam modificadas para que a progressividade das alíquotas possa efetivamente ser aplicada nas transmissões causa mortis e doações no futuro[1], porém é importante que todos estejam atentos para se planejarem em relação a tais acontecimentos, seja para o ônus quanto para o bônus, pois da mesma forma que, em São Paulo, a alíquota única de 4% de ITCMD poderá ser aumentada para 8% em razão da progressividade, poderá haver hipóteses em que os contribuintes pagarão uma alíquota menor de 2% no futuro a depender do valor do bem transmitido.
Portanto, neste momento estudos patrimoniais e sucessórios são muito bem vindos para que se alcance a menor carga tributária possível com base nas legislações que já se encontram em vigor e aquelas que estão em discussão. Para tanto, a São Vicente Contabilidade se coloca à disposição para realizar este trabalho e conseguir auxiliar a todos que desejam sofrer a menor tributação possível.
Nos vemos na semana que vem!
-
Perceba o leitor que frisamos que a produção legislativa ainda é necessária tão somente para a aplicação efetiva das alíquotas progressivas (para os Estados que não utilizam este modelo). No caso das regras temporárias previstas na EC 132/2023 das quais levantamos as hipóteses, elas já se encontram em pleno vigor. ↑