Capítulo VII – Alíquota do IVA (entre dúvidas e certezas)

São Vicente em Reforma (Tributária)

Capítulo VIIAlíquota do IVA (entre dúvidas e certezas)

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Para saber, de fato, qual será o impacto tributário da Reforma Tributária para as empresas, precisamos saber quanto será a alíquota do IVA. O grande problema: ninguém sabe (com certeza).

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  Nós já tratamos neste semanal sobre diversos aspectos da Reforma Tributária, a qual surgiu no cenário tributário brasileiro por meio da Emenda à Constituição nº 132/2023. Dentre os aspectos principais, encontramos a incorporação de quatro tributos sobre o consumo em um (divido em dois). ICMS, ISS, PIS e Cofins serão integrados ao novo Imposto sobre Valor Agregado/Adicionado (IVA) que será dual: Imposto sobre Bens e Serviços (substituem o ICMS e ISS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (substituem o PIS e a Cofins). Porém, um aspecto muito importante deste novo tributo foi deixado de fora até agora: a alíquota.

  Quando tratamos de alíquota, estamos necessariamente falando de uma porcentagem. Trata-se de um dos elementos fundamentais dentro do que chamamos de regra-matriz de incidência tributária para que ocorra a efetiva tributação, juntamente com outros elementos como hipótese de incidência, fato gerador e base de cálculo. Ou seja, não há tributação sem alíquota previamente determinada. Portanto, trata-se de ferramenta imprescindível para a tributação e, consequentemente, para a arrecadação destes tributos para os cofres públicos.

  A alíquota também é de suma importância para os contribuintes, pois aqueles que sofrerão um encargo do Poder Público sobre suas rendas, atividades e operações têm o direito de saber a quantificação utilizada pelo ente tributante diante de uma base de cálculo igualmente prevista em lei. Em outras palavras, o contribuinte não pode ser pego de surpresa ao realizar algum ato e em seguida sofrer uma tributação não prevista em alguma norma pública, seja ela de âmbito nacional, estadual ou municipal.

  Retornemos para a grande pergunta: quanto será a alíquota do IVA? Se o contribuinte tem o direito de saber o quanto será tributado em sua atividade, ele necessariamente deve saber o quanto custará o futuro IVA, certo? Sim e não.

  Como citamos acima, a Reforma Tributária surge com uma atividade legislativa que alterou a Constituição Federal, sobretudo no que diz respeito ao Sistema Tributário Nacional, eis o porquê do documento que deu o “pontapé inicial” nesta reforma ser chamado de Emenda à Constituição. E é justamente a Constituição Federal emendada que nos trouxe a novidade tributária do Imposto sobre Valor Agregado. Porém, neste jardim de tributações, a Constituição só ilumina o caminho e apresenta as linhas gerais de determinado assunto, sendo papel de outras normas “regarem” e disporem a respeito de aspectos periféricos à instituição do tributo.

  O que queremos dizer é que não é função da Constituição Federal tratar a respeito de alíquotas de tributos. Este documento conhecido como a Carta Maior da Federação somente traz aspectos gerais e fundamentais de questões que serão regulamentadas por outros tipos de leis, sendo este o porquê de, apesar de já termos um novo tributo (IVA), pelo menos no papel, ainda não termos a alíquota definida.

  Porém, a própria Emenda Constitucional nº 132/2023 (não a Constituição Federal) dispôs que a Reforma Tributária sobre o consumo passará por um período de transição. Tal período de adequação se inicia em 2026 e vai até o ano de 2033 (conforme tratamos no nosso primeiro capítulo da série), onde o IVA passará a ser exigido com “alíquotas-teste” da seguinte maneira: em 2026 a CBS terá alíquota de 0,9%, enquanto o IBS terá alíquota de 0,1%; em 2027 o PIS e a Cofins são extintos e a CBS passará a ser cobrada de forma plena; de 2029 a 2033 teremos a transição definitiva do ICMS e do ISS no IBS, com alíquotas que vão crescendo de forma gradativa entre 2029 a 2033 (10% em 2029, 20% em 2030, 30% em 2031, 40% em 2032 e 100% em 2033).

  Voltamos para a dúvida: quanto será a alíquota definitiva do IVA a partir de 2033? Como a pretensão da Reforma Tributária é evitar ao máximo alíquotas diferenciadas, a regra geral é que a alíquota do IVA seja única para a grande maioria das operações, sendo exceção os regimes especiais (os quais serão para um número reduzido de atividades, conforme veremos nas próximas semanas) e uniforme dentro do território do ente federativo. Porém, tal alíquota ainda não foi definida. Conforme o próprio Governo Federal divulga, “o contribuinte vai pagar o que já paga hoje, só que agora de forma simples e transparente”[1]. Tudo nos leva a crer que, de fato, a Reforma Tributária possui todas as condições de ter êxito na intenção de ser mais transparente e, talvez, mais simples que o sistema atual. Porém, em relação à semelhança na quantificação do tributo, tal cenário ainda é incerto.

  Todavia, uma coisa é certa: o Senado Federal terá a competência de determinar a chamada alíquota de referência do IBS e da CBS que funcionará como parâmetro para os entes federativos determinarem suas alíquotas próprias, porque, mesmo com a Reforma Tributária, os estados e os municípios possuem a prerrogativa de determinar as alíquotas aplicáveis ao IBS nas operações que ocorrerem em seus territórios, a qual será aplicada para todas as operações que ocorrerem no território do estado ou município. Desta forma, como explica o Juiz Federal Mateus Pontalti, “se o Município de Porto Alegre/RS estabelecer uma alíquota de 5%, essa deverá ser aplicada indistintamente a todas as transações destinadas ao seu território”[2].

  Contudo, esta alíquota de referência somente será determinada efetivamente quando estivermos nos aproximando da implementação integral do IVA-Dual, o qual ocorrerá em 2033, quando os tributos atuais serão incorporados no IBS e na CBS. Isto porque a alíquota de referência do IVA será determinada após serem realizados estudos de como ficarão as novas legislações que determinarão regimes diferenciados e favorecidos (que impactarão a arrecadação tributária e, consequentemente, afetarão a alíquota de referência do IVA) e demais aspectos da Reforma. Conforme Nota Técnica apresentada pelo Ministério da Fazenda em 23/08/2024, “a Reforma Tributária não prevê a fixação prévia das alíquotas de referência do IBS e da CBS. O que ela faz é estabelecer critérios para o cálculo das alíquotas de referência que serão fixadas no decorrer do período de transição de modo a convergir aos valores necessários para repor a arrecadação dos tributos substituídos. Logo, as alíquotas de referência definitivas só serão conhecidas após o término da transição, quando estará em pleno vigor um sistema tributário radicalmente distinto e muito mais eficiente do que o atual[3].

  De todo modo, fato é que a sistemática do IVA se baseia em um modelo internacional, utilizado em mais de 170 países. Portanto, é certo que a nossa alíquota também se baseará no padrão internacional de alíquota do IVA que está na média europeia de 21%. Porém, o “exercício de simulação” (conforme dita a própria norma técnica mencionada acima) das alíquotas do IVA à brasileira tem demonstrado que a alíquota de referência deste novo tributo não será inferior a 25%, podendo chegar a 29%, tornando-se a maior alíquota do IVA do mundo, que é atualmente da Hungria, com 27%.

  Além disto, a alíquota do IVA possuirá uma trava. Segundo o artigo 467, §11, inciso II, do Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 que está em tramitação no Senado Federal, se a alíquota de referência do IVA, quando for integralmente implementada a partir de 2033, for superior a 26,5%, o Poder Executivo federal deverá elaborar novo projeto de lei para redução das alíquotas dos regimes diferenciados a fim de resultar em uma consequente redução da alíquota de referência do IVA.

  Portanto, vê-se que o cenário é um tanto quanto incerto. De todo modo, as empresas já podem (e devem) se preparar para o período de transição com as alíquotas testes reduzidas do IBS e da CBS. Do lado de cá, continuaremos atentos até o momento em que tivermos maiores definições a respeito de aspectos práticos da Reforma Tributária sobre o consumo, dentre os quais necessariamente deve passar pela definição da alíquota.

  Voltaremos na semana com uma nova matéria da nossa série São Vicente em Reforma (Tributária). Até lá!

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  1. Vide em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/apresentacoes/apresentacao-reforma-tributaria-para-o-brasil-crescer-ela-precisa-acontecer-02-8-2023 (acesso em 09 de setembro de 2024).

  2. PONTALTI, Mateus. Comentários à Reforma Tributária – EC 132/2023: Entenda o que mudou e por que mudou. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, fls. 99.

  3. Grifo nosso. Vide em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/notas-informativas/2024/agosto/nota-tecnica-aliquotas-sertmf.pdf/view (acesso em 09 de setembro de 2024).

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