Reforma Tributária – Para a expiação dos pecados: um imposto – Capítulo II

São Vicente em Reforma (Tributária)

Capítulo IIPara a expiação dos pecados: um imposto

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“São Vicente”, “pecado” e “expiação” são termos que facilmente poderiam ser encontrados em textos religiosos. Porém, toda boa vontade por meio da fé se esvai com a adição de outro termo que demonstra que não estamos compartilhando um conteúdo religioso: imposto.


Na semana passada demos início a um projeto que carinhosamente chamamos de “São Vicente em Reforma (Tributária)”, onde o primeiro capítulo teve a intenção de convidar toda a comunidade ligada
ao escritório para esta empreitada de reforma que nos foi, é e será imposta.

  Tratamos na primeira oportunidade a respeito da mudança mais drástica que a Emenda Constitucional (EC) 132/2023 trouxe: a incorporação de 4 tributos sobre o consumo em um único (divido em dois). Para recapitular, lembramos que os tributos de competência da União, PIS e Cofins, serão transformados na CBS, enquanto os tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, ICMS e ISS, serão incorporados ao IBS, estando ambos os novos tributos dentro de um único complexo tributário chamado de Imposto sobre Valor Agregado Dual (IVA-Dual).


Porém, como alertamos no capítulo anterior, um outro imposto sobre o consumo foi alterado, o qual deixamos de tratar
propositalmente naquela oportunidade. Trata-se do querido IPI, o famigerado Imposto sobre Produtos Industrializados.


Aqui precisamos fazer uma breve pausa em nossa reforma para refletirmos a respeito de um aspecto muito interessante em nosso sistema tributário.
IR, ICMS e ISS são exemplos de tributos que possuem uma função fiscal no cenário brasileiro. Tal função fiscal significa que tais tributos são recolhidos aos cofres públicos com uma única intenção: arrecadar dinheiro para a manutenção do Estado. Logo, se a população não precisa se movimentar e pegar em ferramentas para asfaltar a rua, ou se reunir para reformar as praças, ou até mesmo ficar de guarda nas esquinas durante as madrugadas para realizar a vigilância dos seus bairros, isto se dá porque o próprio aparato estatal possui (ou deveria possuir) verbas para executar, por meio dos impostos e demais tributos pagos pelos contribuintes, estas atividades.


Ora,
então o leitor atento talvez esteja se perguntando: “se existem tributos que possuem uma função fiscal, podem existir tributos que não possuam esta função? A resposta é sim! Nem todo tributo tem como função predominante a arrecadação de dinheiro para a atividade estatal de manutenção do próprio Estado. Alguns tipos de tributos são utilizados como uma atividade de controle do Estado para outros aspectos da sua atuação.


Este tipo de tributo que possui uma
função extrafiscal (extra = além) não visa a arrecadação (embora arrecadem), mas busca atuar em outros níveis de interesse do Estado sobre determinada questão econômica ou social. Como exemplo temos os impostos sobre a importação e exportação (II e IE), os quais além de efetivamente arrecadarem valores aos cofres públicos, visam sobretudo valorizar e incentivar as operações dentro do território brasileiro, desestimulando que o número de operações internacionais se sobressaia em relação às operações internas.


Portanto, estamos diante de duas formas de tributação:
fiscal e extrafiscal. Em qual destas duas o IPI se encaixa? Nas duas! O IPI sempre possuiu uma condição dupla. Ao mesmo tempo que era arrecadatório, também tinha uma função extrafiscal, ou seja, ligada com outros interesses do Estado além de arrecadar. Isto porque a própria Constituição Federal dita que o IPI teria um tratamento diferenciado considerando a essencialidade do produto industrializado. Isto significa que o IPI é um tributo que faz discriminação entre os produtos. Parafraseando Ruy Barbosa, “tratando os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual na medida de suas desigualdades”. Logo, o que é mais essencial será tributado de uma maneira diferente do que é menos essencial.


Em nossa história recente pudemos ver com clareza tal função extrafiscal do IPI, onde, por exemplo, no período da pandemia os produtos médicos e hospitalares tiveram sua alíquota de IPI zeradas por seis meses.


Com isto,
enxergamos o caráter extrafiscal do IPI, pois a depender do interesse da União (ente federativo que administra o imposto), a circulação de determinado produto poderá ser incentivada ou desestimulada com a variação da alíquota do IPI.


Que o leitor deste periódico não tenha ficado bravo conosco por toda esta introdução acerca do IPI. Ela se fez necessária justamente para causar o menor impacto possível
quando falarmos do substituto deste tributo com a Reforma Tributária. Como informamos na primeira matéria, a partir de 2027 o IPI será mitigado com a alíquota zero (com exceção da Zona Franca de Manaus). Neste mesmo ano, passará a viger o Imposto Seletivo (IS) que fará as vezes do IPI, porém sem a característica essencial de incidir somente sobre produtos industrializados.

      O Imposto Seletivo, por sua vez, recairá sobre produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

  Logo, no lugar de um imposto que recaía somente sobre produtos industrializados, o Imposto Seletivo terá uma margem maior de incidência (produção, extração, comercialização ou importação, incidindo em somente uma destas etapas), sendo limitado pelo critério da prejudicialidade. Eis o porquê deste tributo ser também conhecido como Imposto do Pecado (sin tax), termo este de origem estrangeira para o imposto que é comumente cobrado no exterior sobre bebidas alcoólicas, cigarros e outros produtos considerados “moralmente perigosos”[1].

  Um dos fundamentos para a existência do Imposto Seletivo (cuja função o IPI já vinha de certa forma realizando) é a de que o Estado gasta muita verba pública com a assistência das pessoas que se sujeitam ao uso de tais produtos prejudiciais à saúde. Atualmente existem vários centros bancados pelo poder público para cuidar de pessoas que adquiriram e sofres pelos danos severos em sua saúde em razão do consumo de determinados produtos, o que gera um grande gasto de verba pública por parte do Estado para atuar nestas demandas sociais.

  Portanto, a ideia é que ao invés de ter gastos para cuidar de uma saúde debilitada por conta do consumo de produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, o Imposto Seletivo poderá desestimular o uso de tais produtos com o aumento da tributação. Eis o porquê do título do nosso informativo desta semana: para expiar (pagar) o seu pecado em consumir refrigerante, whisky e cigarros eletrônicos (vape, para os jovens), ou de usar aquele veículo que a todo momento deixa o céu paulista mais acinzentado, a solução é um novo imposto no nosso arcabouço de tributos.

     Sim, caro leitor, eu bem sei o que você está se perguntando agora. “O que é e quem vai dizer o que é prejudicial para a saúde ou para o meio ambiente?”. A própria Constituição Federal ao instituir o Imposto Seletivo dispôs que este imposto será regulamentado por meio de uma nova lei complementar. Sim. Sorria![2] Teremos novas leis. E atualmente temos em discussão no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 68/2024 produzido pelo Governo Federal que, entre suas disposições, também trata do Imposto Seletivo, indicando quais produtos serão alvo do novo tributo.


O projeto foi discutido na Câmara dos Deputados e agora será enviado ao Senado Federal para novas discussões nesta Casa Legislativa. Até o momento, temos 5 grupos de bens e serviços sujeitos ao imposto seletivo:

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 Veículos (exceto os caminhões), incluindo os elétricos;
 Aeronaves e Embarcações;
 Produtos fumígenos (cigarros, cigarros eletrônicos, charutos, etc.);
 Bebidas alcoólicas;
 Bebidas açucaradas;
 Bens minerais;
 Concursos de prognósticos (fantasy sport/games/apostas).

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Como dissemos, ainda é necessário que tal projeto passe pelo Senado para que então possa ser aprovado e possamos ter plena segurança dos produtos que efetivamente sofrerão a incidência do IS e os critérios para apuração/cálculo deste novo tributo.


Importante agora é que as empresas estejam atentas a estas modificações e
saibam que, a partir de 2027, poderão ter um novo imposto na prateleira de tributos que pagam atualmente, a fim de não serem pegas de surpresa ao verem seus produtos sofrerem uma taxa adicional por supostamente prejudicarem a saúde ou o meio ambiente.

 

Nós da São Vicente continuaremos atentos às novidades a respeito do Imposto Seletivo e, de maneira geral, da Reforma Tributária, para que possamos, com bastante antecedência, estarmos prontos para quando as mudanças de fato passarem a acontecer na prática, possuindo uma firme estrutura que está sendo construída agora por meio da nossa reforma.

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Até semana que vem!

 

  1. KAGAN, Julia. Sin Tax Definition and How It Works. 2023. Disponível em: https://www.investopedia.com/terms/s/sin_tax.asp. Acesso em 02 de agosto de 2024.

  2. Contém ironia.

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