Capítulo IV – Imposto saindo do forno! Tributação na distribuição de dividendos

São Vicente em Reforma (Tributária)

 

Capítulo IVImposto saindo do forno! Tributação na distribuição de dividendos

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Habemus tributum”.

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O título desta matéria é sensacionalista e a frase em latim utilizada agora também o é. Porém, importa compartilhar o fato de que novo projeto de lei prevê que o imposto sobre doação e herança também poderá incidir sobre a distribuição de dividendos.

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  Como pontuamos desde o começo da nossa série “São Vicente em Reforma (Tributária)”, as principais mudanças com a reforma aconteceriam nas tributações sobre o consumo. Ou seja, tributos como PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI sofreriam (e de fato sofrerão) uma transmutação em novos tributos com intuito de modernizar e simplificar nosso sistema tributário nacional, sobretudo no que diz respeito à aquisição de bens e serviços.

  Contudo, apesar de ser uma reforma preocupada com a tributação sobre o consumo, ela não deixou de falar de outros assuntos e tópicos tributários muito importantes. Um destes tópicos é justamente o famigerado ITCMD, sigla que significa Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. Vamos explicar.

 

  A tributação no Brasil pressupõe o acontecimento de determinadas situações auferíveis fenomenologicamente na sociedade. Queiram perdoar o palavreado, o autor deste semanal é dado às filosofias. Mas, em outras palavras, a tributação ocorre quando alguns fatos previstos em lei ocorrem na vida real, que dizem respeito, sobretudo, ao acréscimo patrimonial financeiro, seja com bens ou com direitos.

 

Ou seja, o Estado se mantém por meio das contribuições (impostos, taxas, etc) que os cidadãos fornecem para ele de forma compulsória, as quais nascem pela circulação de mercadorias e/ou aquisições de serviços (sobre o consumo), pelo aferimento de renda ou pela recepção de bens ou direitos. Neste último caso (recebimento de bens ou direitos), ela pode ocorrer de duas maneiras: por meio de herança[1] ou doação.

 

  Para deixar mais claro, esclarecemos que a herança são aqueles bens ou direitos transmitidos na ocorrência da morte de determinada pessoa, por isso uma das incidências do ITMCD é justamente na causa mortis (cuja tradução significa “em razão da morte). Quando do falecimento de uma pessoa, os bens deixados por ele necessariamente devem ser transmitidos para alguém, podendo ser o(a) cônjuge, os filhos, pais, irmãos, parentes ou até mesmo para outras pessoas fora do seio familiar e parentesco, por meio de testamento.

 

  Já a doação ocorre quando determinada pessoa deseja, em vida, repassar para uma outra pessoa determinado bem ou direito de forma gratuita. Logo, não existe doação se a pessoa que a receberá precisar pagar determinado valor para obtê-la, porque a doação pressupõe a gratuidade.

 

Talvez você, caro leitor, se pergunte o motivo pelo qual estes dois tipos de situação (herança e doação) são colocados no mesmo balaio tributário. Isto ocorre porque estes dois fatos possuem características semelhantes: os dois ocorrem de forma não onerosa (gratuita) e deliberada (sem qualquer tipo de obrigação por trás).

 

  Logo, toda vez que uma pessoa recebe uma doação ou uma herança, esta pessoa não sofre uma oneração para obtê-la, não sendo necessário uma contraprestação (pagamento de valores), tampouco quem faz a doação ou deixa herança para alguém assim o faz por meio de uma obrigação que não sejam as legais, sendo o único intuito deste ato beneficiar quem está recebendo aquele bem ou direito.

 

  Eis o porquê do ITCMD contemplar ambas as situações, tendo em vista suas semelhanças (gratuidade e liberalidade).

 

  Mas o que tudo isso tem a ver com a Reforma Tributária? A Emenda Constitucional (EC) 132/2023 trouxe novas disposições constitucionais acerca do ITCMD, fazendo-se necessário que novas Leis surjam para a regulamentação da matéria. Em obediência à determinação da EC 132/2023, iniciou-se a atividade legislativa em âmbito nacional para a elaboração destas novas leis. Um dos dois projetos de lei que foram criados e estão em debate é o PLP (Projeto de Lei Complementar) nº 108 apresentada pelo Ministro Fernando Haddad, o qual além de regulamentar o funcionamento do Comitê Gestor do IBS, também trata do ITCMD.

 

  Uma das novas disposições acerca do ITCMD (de tantas outras) é justamente o “alargamento” da hipótese de incidência do tributo. Como dissemos anteriormente, os tributos precisam estar previstos em lei para que, ocorrendo o fato na vida real, o Estado possa tributar. Esta previsão na lei de fato futuro é o que chamamos de hipótese de incidência. Pois bem, até então a Constituição Federal concedia aos Estados e ao Distrito Federal a competência de legislar a respeito do ITCMD e das suas hipóteses de incidência, fato gerador, base de cálculo, alíquota, etc, e assim os Estados e o DF produziram suas legislações.

 

Porém, com o surgimento deste novo projeto de lei (PLP 108/2024), caso aprovado da maneira que está no Congresso Nacional, os Estados poderão se sujeitar às novas diretrizes nacionais a respeito do ITCMD, onde uma delas dispõe que será considerado como doação o recebimento de benefícios por sócio ou acionista de empresa de forma desproporcional ao previsto no contrato social e sem qualquer justificativa.

 

Para que todos possam ler por si mesmos, assim dispõe o texto do PLP 108/2024:

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Art. 164. O ITCMD incide sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos:

I – em razão da ocorrência do óbito do seu titular; ou

II – por doação.

[…]

§5º Consideram-se, ainda, como doações, para fins da incidência do ITCMD, em transmissões entre pessoas vinculadas:

I – os atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados.

  

  Lembrem-se do que explicamos: doação é um ato de liberalidade (não obrigacional) e gratuito (não oneroso). Com isto, podemos pensar em diversas situações como, por exemplo, pais doando bens para seus filhos com o intuito de antecipar a herança ou uma pessoa doando para um amigo necessitado uma quantia em dinheiro. E os Estados e o DF vinham exigindo o ITCMD em situações que não divergiam tanto destas situações. Porém, agora os Estados terão um novo “campo” para exigir o imposto, justamente pelo “alargamento” de hipóteses de ocorrência de doação, ainda que o fato em questão (distribuição de lucros) não leve este nome.

 

  Tocando em miúdos, o que queremos dizer (e o que o Projeto de Lei Complementar 108/2024 diz) é que, dentre outras situações societárias, a distribuição de lucros em favor de algum sócio que ocorrer de forma desproporcional à participação deste sócio na empresa será considerada como ato deliberado e não oneroso. Em outras palavras, será considerado como doação. E sobre esta situação incidirá o ITCMD.

 

  Além disto, o próprio PLP 108/2024 dá uma “dica” para os Estados do quanto poderá ser a alíquota para estas operações: será aplicada alíquota correspondente a um terço da alíquota máxima do ITCMD prevista pelo Estado ou pelo Distrito Federal. Você se pergunta: “Qual é a alíquota máxima?”. Atualmente os Estados possuem um teto de alíquota de ITCMD que é de 8%. Porém, “para nossa surpresa”, esta alíquota poderá ser aumentada, pois já existe um outro projeto no Senado Federal para que a alíquota máxima de ITCMD deixe de ser 8% e passe a ser de 16%.

 

  Logo, um sócio que recebeu R$ 60.000,00 de distribuição de dividendos de forma desproporcional nos últimos anos não precisou recolher o ITCMD, até porque não havia hipótese de incidência do tributo para tanto. Porém, com a aprovação do PLP 108/2024, este mesmo sócio recebendo R$ 60.000,00 de forma desproporcional à sua participação societária poderá sofrer a exigência pelo Estado de recolher por volta de R$1.560,00 de ITCMD, considerando a alíquota máxima de 8%, ou R$3.180,00 caso a alíquota máxima aumente para 16%.

 

  Nós entendemos que este futuro novo dispositivo não proibirá as distribuições de lucros desproporcionais. Porém, será necessário que as empresas se planejem que tais distribuições de dividendos, durante o exercício da administração societária, sejam justificadas, pois um dos pontos nevrálgicos do novo dispositivo é justamente o fato desta distribuição desproporcional (ou qualquer outro ato societário deliberado que represente benefício a um sócio) ser injustificada. Com isto, entendemos que se a empresa conseguir comprovar os motivos que fizeram com que determinado sócio recebesse um valor maior do que aquele que ele “faria jus”, não haverá incidência do ITCMD, isto porque não se tratará mais de ato injustificado de liberalidade.

 

  Não será a última vez que vamos tratar do ITCMD neste periódico, até porque a questão da distribuição de lucros não foi o único ponto de hipótese de incidência a ser alargado no PLP 108/2024. Mas deixamos aqui nosso apontamento para os empresários a fim de que estejam cientes desta (futura) nova mudança.

 

  Nos vemos semana que vem!

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  1. Que o leitor entenda que quando citarmos o termo “herança” nesta matéria, também estaremos incluindo outro termo jurídico conhecido como “legado”, o qual se diferencia daquele em razão de ser previsto em testamento. Portanto, para facilitar a compreensão, entenda-se que “herança”, neste texto, também diz respeito aos legados.

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